terça-feira, 6 de maio de 2014

O caso “Guarujá Alerta”: o que um entusiasta da “segurança pública”, Rachel Sheherazade e a PM tem em comum no caso?


Imagine você voltando para casa e se depara com um grupo de pessoas. Elas te apontam o dedo e fazem acusações absurdas. Em seguida, uma delas faz muito mais que apontar o dedo: dá um tapa. Depois vem um soco, um pedaço de pau, pedras... e cai no chão sem entender o que está acontecendo. Você tinha saído para ir ao banco, ao supermercado, levar o filho na escola... E, enquanto retorna para casa, sua cabeça pensa nas coisas do dia a dia, exceto que é o seu último dia de vida.

Foi assim no caso de Fabiane Maria de Jesus. Cercada por um grupo de pessoas vomitando ódio e com sede de sangue. O que motivou estas pessoas? Vislumbro pelo menos dois motivos.


O primeiro motivo : entusiastas e fãs do serviço policial

Escrevo este artigo tendo ao lado a edição nº 44030 do jornal O Estado de S. Paulo. Na página A15 a jornalista transcreve uma declaração dos donos da página Guarujá Alerta no facebook:


Ontem [06/05], os autores da página foram à delegacia central do Guarujá, onde se colocaram à disposição para prestar esclarecimentos. Eles garantiram que não publicaram a foto da suposta sequestradora. A postagem teria sido feita por um dos seguidores da página.


Após estudar a página Guarujá Alerta, considero a afirmação dos “donos” anônimos uma pura mentira. Primeiro, fosse verídica a afirmação, eles mesmos (ou pelo menos uma das mais de 50 mil pessoas que seguem a página) teriam feito printscreendessa publicação feita por esta suposta terceira pessoa. É extremamente fácil para um dono de página no facebook criar e apagar publicações conforme julgar conveniente. Como os “donos” do Guarujá Alerta devem estar sendo bem assessorados juridicamente, eles sabem que o ônus da prova caberá ao delegado e ao promotor.


No dia 26 de fevereiro deste ano, os donos da página firmaram acordo com o 21º Batalhão de Polícia Militar de Guarujá. Os termos desta parceria parecem obscuros. Em uma das “clausulas” do acordo, a equipe proprietária da página Guarujá Alerta se compromete a “cobrar arduamente soluções para os anseios” da população de Guarujá em “querer viver em uma sociedade tranquila”. A nota foi “curtida” 416 vezes. Abaixo o print:


Printscreen 01 - Nota do editor da página, evidenciando acordo com a PM
(clique para aumentar)



A partir de então foram feitas centenas de publicações, muitas delas bastante descaradas e até ultrapassam o direito à privacidade de algumas pessoas. Por exemplo, imagine você perder um documento seu e, dias após, vê-lo escaneado numa página, com números, fotos, dados pessoais expostos...?

Em outros casos, pessoas presas pela polícia, fotografadas atrás das grades ou sentadas no chão, forçadas a mostrar o rosto. Há aqui uma divisão de tarefas, um esforço que equipe: um policial tira a fotografia e as repassa ao “dono” da página Guarujá Alerta. Na seqüência, este ultimo publica a foto e informa à população sobre o motivo da prisão do cidadão. Ou seja, apesar do exposto na Constituição Federal “ninguém será considerado culpado antes de uma sentença condenatória após trânsito em julgado”, uma pessoa ou um grupo de pessoas, vale frisar, até agora anônimas e completamente protegidas pela polícia, resolveram publicar informações sobre supostos praticantes de crimes ANTES do devido processo legal na justiça.

Nota-se, desde já, que a sucessão desse tipo de publicação constitui forte incentivo ao linchamento, senão, ao menos, uma instigação acentuada ao sentimento coletivo de repúdio contra aquela determinada pessoa que está sendo exposta. A página, e o comportamento perigoso do “dono” dela, eram como uma bomba-relógio prestes a explodir. E desta vez eles encontraram uma vítima e um motivo suficientemente chocante e sensacionalista para comover e mobilizar uma população.

Logo abaixo, alguns exemplos retirados da página Guarujá Alerta. Reparem que em algumas das fotos ele dá crédito à Policia Militar, o que reforça a hipótese acima comentada.

Printscreen 02 - Donos da página "investem" no justiçamento paralelo, divulgando casos.


Printscreen 03 - PM patrocinou a página, fornecendo ao proprietário da mesma imagens de pessoas presas e informaçoes sobre elas. Reparem no texto descritivo da foto. A própria foto do suposto criminoso aqui acusado revela a natureza desta operação: ou ele tinha acesso ao espaço restrito do encarceramento, ou os PMs fornecia-lhes as imagens.

Printscreen 04 - Outra prova de subsidio fornecido pela PM: o proprietário da página tinha informações 'em primeira mão' e imagens exclusivas das operações. 


Printscreen 05 - Repare que as pessoas eram forçadas a posar para fotografias. Não há respeito, nem pela dignidade humana e nem pelo devido processo legal.


Printscreen 06 - O proprietário da página solicitava ajuda aos seus seguidores para fazer reconhecimento e denúncia de supostos criminosos (e digo "supostos" porque, embora detido em flagrante, a pessoa só pode ser considerada criminosa APÓS a sentença condenatória após trânsito em julgado num tribunal).


Portanto, é justo acusar o dono da página de incentivar o crime. Estes, talvez, tenham mais sangue nas mãos do que os que executaram o serviço.



O segundo motivo: Rachel Sheherazade e o jornalismo de araque

Acho perfeitamente compreensível que as pessoas se sintam injustiçadas de várias formas. Crimes violentos por todas as partes, polícia truculenta, políticos safados, impostos que são um absurdo, impunidade, justiça que não funciona, mas nada, NADA justifica o linchamento público.

Com efeito, políticos, celebridades, e “agitadores de ânimos” profissionais pagos para este fim têm diante de si uma demanda não atendida: a demanda popular por justiça. Diariamente, somos bombardeados por essa grande mídia golpista, como o Datena e Ratinho, mas também por políticos, desde Enéias Carneiro e Afanásio, os quais defendiam a pena de morte e, até recentemente, Rachel Sheherazade.

Esta última, demonstrou recentemente grande senso de frieza e falta de humanidade com relação a um rapaz, supostamente assaltante, que foi linchado e preso com uma corrente de motocicleta no centro do Rio. A âncora do jornal do SBT apoiou a iniciativa do justiçamento feito com as próprias mãos e soltou a máxima que viria ser repetida como mantra entre os mais sedentos por sangue e adeptos da filosofia “olho por olho, dente por dente”: ficou com pena, leva pra casa.

Penso que já passou da hora de cada um desses veículos de comunicação social de massa repensar o seu código de ética, se é que alguns possuem. No desespero por alguns pontos a mais no ibope, não medem esforços para chamar a atenção do público, ainda que seja pelo custo de vidas humanas.

De maneira curiosa, estes mesmos “gestores da indignação pública”, não engrossam a voz na mesma maneira quando se trata de acorrentar um político asqueroso ou alguém sujo vinculado à administração da coisa pública. A estes, os comentários são atenuados e o tom de voz não é tão elevado, pelo menos não em comparação àqueles que são desprovidos de qualquer sorte de assistência, conhecimento jurídico ou recursos em geral para se defender.


Agora quero ver...

Cabe a cada um de nós defender que os “donos” da página Guarujá Alerta sejam responsabilizados pelos crimes que incentivaram os populares a cometer. Com toda evidência, eles receberam o patrocínio e assistência de policiais militares para “elevar os ânimos” da população local. É inadmissível que eles simplesmente se defendam com argumentos pífios de que um “fantasma” qualquer entrou na página e postou uma foto e comentários que levaram a esta confusão. Estas pessoas tem que entregar os policiais militares que, há muito, vem colaborando, conforme as provas que apresentei aqui e qualquer um pode constatá-las na página em questão.

Por fim, lembremo-nos que Fabiane Maria de Jesus foi confundida com uma outra pessoa, acusada de sequestrar crianças e fazer magia negra. Esta pessoa se defende da campanha difamatória sustentada pela página Guarujá Alerta e diz que já tomou providências no sentido de processar o autor (e lhe desejo toda a sorte do mundo!). A própria polícia – pasmem – diz também que não houve registro de nenhuma criança desaparecida. Fico me perguntando se tudo isso era para ganhar algumas “curtidas” a mais na página?


Quero ver se o cretino vai colocar a própria foto como ele fez com tantas outras pessoas, e esperar na rua para ser linchado... Afinal, #SomosTodosFabiane.

Nenhum comentário:

Postar um comentário